sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Dia 13 [Janeiro de 2009]

Ángel González
Há um ano, precisamente no dia 12 de Janeiro, num hospital de Madrid, morreu Ángel González. Hospitalizado eu próprio em Lanzarote por causa de uma doença similar à que o levou, atendi a chamada telefónica de um jornal que queria publicar umas palavras sobre a infausta notícia. Em termos que o meu interlocutor mal deve ter ouvido, tão intensa era a minha emoção, disse que havia perdido um amigo que era, ao mesmo tempo, um dos maiores poetas de Espanha. Em sua lembrança deixo hoje aqui um dos seus poemas, que traduzo do espanhol.

Assim parece

Acusado pelos críticos literários de realista,
os meus parentes, em troca, atribuem-me
o defeito contrário;
afirmam que não tenho
sentido algum da realidade.
Sou para eles, sem dúvida, um funesto espectáculo:
analistas de textos, parentes da província,
pelos vistos, a todos defraudei
que lhe vamos fazer!
Citarei alguns casos:
Certas tias devotas não se podem conter,
e choram ao olhar-me.
Outras muito mais tímidas fazem-me arroz doce,
como quando eu era pequeno,
e sorriem contritas, e dizem-me:
que alto,
se o teu pai te visse…,
e ficam suspensas, sem saber que mais dizer.
No entanto, não ignoro
que os seus gestos ambíguos
dissimulam
uma sincera compaixão irremediável
que brilha humidamente nos seus olhares
e nos seus piedosos dentes postiços de coelho.
E não são só elas.
De noite
a minha velha tia Clotilde regressa da tumba
para agitar diante da minha cara os dedos como sarmentos
e repetir em tom admonitório: 
De beleza não se come! Que julgas que é a vida?
Por sua parte,
a minha falecida mãe, com voz delgada e triste,
augura para a minha existência um lamentável final:
manicómios, asilos, calvície, blenorragia.
Eu não sei que dizer-lhes, e elas
regressam ao seu silêncio.
O mesmo, igual que então.
Como quando era pequeno.
Parece
que a morte não chegou a passar por nós.
José Saramago, O CADERNO

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