sábado, 22 de janeiro de 2011

Os Cordoeiros: Quinta-feira, Janeiro 22 [2004]

Segredos

Sr. Cordoeiro-Mor


A minha avó sempre dizia que os segredos são feios. Para ela, esconder era tão grave como mentir. Sabia que aos segredos estão associadas conveniências, muitas vezes conveniências não recomendáveis.
A justiça começou por ser um exercício de magias e segredos. Ao longo da história, foram desaparecendo as magias e reduzindo os segredos.
Em nome da eficácia da investigação, que é uma eficácia policial, justificou-se o segredo de justiça. Depois, em nome de um putativo bom nome de quem é investigado, reforçou-se o sustento teórico desse segredo.
O segredo de justiça tornou-se o pão nosso de cada dia. Permite que nos escandalizemos sem convicção ou que opinemos sem compromisso. Num certo sentido, tudo é violação do dito, até aquelas conferências de imprensa em que a Polícia Judiciária, eufórica, anuncia a apreensão de um quilo e meio de cocaína, ou aquelas declarações de alguns advogados, inflamados, à porta do DIAP, dando conta das diligências.
Toda esta conversa à volta do segredo de justiça e do direito à informação parece-me bizantina. Por mais brilhantes que sejam os intervenientes e por mais delirantes que sejam as ab-rogações. Mais preocupante do que a violação do segredo de justiça é a prática de uma justiça em segredo. Este é que é o segredo que envenena a justiça e tem custos sociais irreparáveis.
Uma justiça que se pratica sem critérios e com uma lógica que se desconhece, além de não criar confiança ao cidadão, permite a afirmação dos poderes de facto. Dos tais poderes que, insidiosamente, desgastam a economia e o equilíbrio social.


Cord(i)almente


Alípio Ribeiro
***
NOTA DA APOSIÇÃO:
Sobre outros segredos, ver Os intépretes e o segredo profissional, do Juiz Cunha Rodrigues.
# posto por Rato da Costa @ 22.1.04

O "quem" do segredo

Sobre a extensão do segredo de justiça aos jornalistas, escreve hoje o Juiz Conselheiro Artur Costa a sua crónica semanal no JN. 
Com a devida vénia, transcrevemo-la:

O presidente da República, na sua comunicação no Supremo Tribunal de Justiça, opinou que era absurdo os jornalistas não serem responsabilizados pela divulgação de matéria coberta pelo segredo de Justiça. Eis uma afirmação com a qual coincido e defendi já em escritos publicados, inclusive num opúsculo de 1996 - separata da Revista do Ministério Público -, que tem por título: "Segredo de Justiça e Comunicação Social". Em face da descrição do tipo legal de crime do art. 371.º do Código Penal: "Quem ilegitimamente der conhecimento…", não se vê como naquele "quem" não estejam incluídos os jornalistas. A formulação é a mesma de outros tipos legais de crime: "Quem matar outra pessoa…"; "Quem causar ofensa no corpo…", etc.. Desde que o jornalista tenha conhecimento de que se trata de facto em segredo de Justiça, consciência da sua proibição e vontade de praticar o acto, só por força de uma causa justificativa pode deixar de incorrer na consequência jurídica desse acto. Essa causa justificativa pode ser, justamente, o direito à informação, como também lembrou o presidente da República, pois o segredo de Justiça não é absoluto. Mas também o direito à informação o não é. Há que ponderar os interesses em jogo, segundo princípios de necessidade, adequação e proporcionalidade. E, em matéria de ponderação e limites a respeitar, muitas vezes os jornalistas pensam que isso é só para os outros, isto agravado por um sistema de Comunicação Social onde impera cada vez mais o interesse egoístico das próprias empresas, e os jornalistas, fragilizados na sua relação laboral, são levados, muitas vezes, ao atropelo da deontologia.


NOTAS (a posteriori) DA APOSIÇÃO:
Sobre o mesmo tema, e concordante com esta posição, ver Vital Moreira neste blogpost.
Já não tão afirmativo ou claro na crónica que escreveu no Público, como refere, sempre atento e on line, o Copista.
# posto por Rato da Costa @ 22.1.04

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