segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O FAIA DE TRAVASSOS

Como disse noutra local deste, este fim-de-semana caiu neve da gorda. E como dizia o Faia de Travassos, grande pícaro e faiante, em dias destes, «muito descansado vive quem não tem bicho vivente de portas a dentro...» O que é o meu caso. Passeio dia de pés à lareira, não digo de terço na mão, porque é mentira, mas a pensar na brevidade da vida e na forma estúpida como desbaratei a minha. Tanto trabalho para quê? O Faia «nunca semeou nem colheu» e gabava-se de ser tão feliz que «nunca lhe abortara vaca, morrera ceva ou sequer uma pita lhe pusera fora...»
Quem o ouvia ria-se por saber que nunca o Faia avezara vaca, porco ou galinha.
Por isso a neve o não afligia.
Pelas mesmas razões me não aflige a mim. Enquanto os meus vizinhos passaram o dia a tratar da fazenda, eu passei-o de pés à lareira.
Entretanto caiu a noite.
E foi então que um bêbado passou na rua aos berros e eu fiquei a pensar nos escorropicha-pipas da minha infância.
Segundo as más-línguas, uma das aldeias que mais pipas escorropichava era a de Medeiros. Casas houve que foram à penhora por causa da pinga, ou da «canaca», como eles pronunciavam.
Eu tinha lá um tio materno casado que visitava muito a minha Mãe.
Um dia correu a notícia de que um vizinho dele, o «Bormelho», tinha falecido.
Entro na cozinha e deparo com o meu tio sentado no escano.
– Então lá foi o «Bormelho»? – disse eu.
– Foi.
– Novo...
– Olha que também, se vive até ao fim da vida, não deixava nada...
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 196)

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