quarta-feira, 29 de junho de 2011

“Tablóides”

29 de Junho de 1976
• Admitindo que haja entre nós os chamados «assassinos literários», esses indiscretos vigilantes da seara alheia, seria impossível aqui a existência viável de monstros ou «malditos» tais como Nerval, Edgar Poe, Lautréamont, Gide, Proust, Genet, Jouhandeau, Céline, Violette Leduc, Montherlant (que eu próprio critiquei, mas com motivo), a pobre Sarrazin, e mesmo um Cocteau. Se ele, até um Erskine Caldwell eles tentaram demolir, a quem se deve a consciencialização mundial da condição do negro norte-americano! (Que fizeram eles de parecido?) Aliás ele foi – ou será ainda? – o mais lido dos escritores ocidentais... na URSS!
• Depois de Victor Hugo, Baudelaire deve ter sido o poeta francês mais querido e popular em Portugal, talvez porque apelava para o nosso «feitio» rebelde, pessimista, algo sombrio e dado ao macabro. Eu teria preferido, mais modernamente, um Paul Valéry, mas a sua frieza de versejador ou versificador (versificateur, como ele mesmo se definiu – e não poeta – a um amigo) constrange-me e repele-me.
• Em certos dias visita-me a angústia – que nada tem de metafísica! – de saber que és a mesma de outrora e, no entanto, és outra; que eu sou o mesmo, e a que ponto mudei! E o mundo, sendo o mesmo, se transfigurou até ficar irreconhecível. E dizer que é imperativo persistir neste jogo de ilusão, de acreditar que tudo coexiste e permanece, quando tudo se transforma e volve em pó e nada!

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