segunda-feira, 6 de junho de 2011

OLIVENÇA

Por mal dos meus pecados, neste último fim-de-semana, não pude ir a Barroso. Reclamaram a minha presença em Elvas.
Elvas não ficará no cabo do mundo. Mas fica lá para os confins do Alentejo.
Mau grado ser sempre por auto-estrada, a viagem é um cabo das tormentas. Quatro ou cinco horas ao volante, todos os sentidos alerta, olhos atentos aos carros da frente, aos dos lados, aos da retaguarda. Não tão fixos que não dê para, de vez em quando, espreitar a paisagem. Foi assim que, transposto o Tejo na ponte Vasco da Gama, reparei nesta coisa singular. Paralela com a auto-estrada Lisboa-Elvas, corre uma outra via de bom piso e largura, nalguns pontos com três pistas, dessas a que agora chamam, se não laboro em erro, itinerários principais. E pensei. Como são as coisas! Lisboa-Elvas, duas auto-estradas paralelas, tão próximas que se poderia facilmente comunicar, por palavras e gestos, dos carros duma para os da outra. Braga-Chaves, uma estradeca do tempo dos afonsinhos... Injustiças deste mundo...
Com este desabafo entrei em Elvas pela torreira pós-meridiana, completamente arrasado. Não tanto que resistisse à curiosidade de ir ver Olivença, onde eu, com vergonha o confesso, nunca tinha ido.
Sabia vagamente que fora terra portuguesa desde o tratado de Alcanices (1297) até à «Guerra das Laranjas» (1801) data em que um tal Manuel Godoy, lambe-botas de Napoleão Bonaparte, a mandou de presente, enfeitada com uns ramos de laranjas colhidas às portas de Elvas, a Maria Luísa de Parma, rainha de Espanha e, segundo as más línguas, amante do fulano.
Sugestionado por leituras e programas televisivos, ia a contar com uma terra tipicamente portuguesa. Nada disso. Tipicamente português, apenas os monumentos que os nossos reis lá deixaram. O resto, tipicamente espanhol.
Como o calor apertava, refugiei-me no castelo. Não subi à Torre de Menagem, obra do nosso D. João II, porque as pernas já me não permitem altas cavalarias. Mas passei momentos agradáveis no Museu Etnográfico anexo, que me pareceu sobremaneira rico e bem montado. Lá estava a alfaiataria, que me fez lembrar o meu vizinho Ti Catarro, que ainda usava fero de cunha e não havia como ele para talhar uma capa de burel; lá estava a forja, que me trouxe à lembrança o meu vizinho Ferreiradas, o qual, para além doutras muitas maravilhas, forjava umas colheres do caldo de ferro bruto e maciço, que enchiam a malga duma pazada; lá estava a carpintaria, que me fez sorrir à lembrança do meu amigo João do Eirão, tão bom a chaboucar um carro de bois como a dizer umas larachas; lá estava o lagar, alambique e demais apetrechos de fazer o vinho e a aguardente, que me trouxeram saudades do meu avô Barbado, de quem os entendidos na matéria diziam que fazia o melhor vinho da Costa de Anelhe; lá estava o lagar de azeite…
Barroso não é terra de oliveiras. Mas sempre foi terra de mestres lagareiros. Homens que deram cartas por esse Portugal fora, desde a Terra Quente transmontana, aos «montes» alentejanos.
Lá estava a cozinha rural, que me avocou à lembrança gratas recordações da minha infância e do caldo sorvido à lareira, na mesa de vaivém.
Lá estava eu de corpo em Olivença e espírito em Barroso.
Bem se pode dizer que sofro da coita dos enamorados ausentes da coisa amada. Para onde quer que vá, Peireses vai comigo...
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 102 e s.)

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