Benedetti
O susto foi
grande, Mario Benedetti
estava no hospital e o seu estado era considerado grave. Ángel González
foi-se-nos quase sem aviso, numa fria madrugada de Janeiro. Que agora fosse a
vida de Benedetti a estar em perigo lá no seu distante Montevideo era algo que a
preocupação aqui despertada não se resignava a aceitar. E, contudo, nada
podíamos fazer. Enviar telegramas, à antiga usança? Mandar recados por algum
amigo? Rezar uma oração pelo seu pronto restabelecimento, se com isso não
fôssemos provocar a ira laica de Mario? Pilar encontrou a solução. Que era em
verdade Mario Benedetti, que havia sido ele em toda a sua vida, muito
mais que as múltiplas profissões exercidas? Poeta. Então arranquemos os seus
poemas à imobilidade da página e façamos com eles uma nuvem de palavras, de
sons, de música, que atravesse o mar atlântico (as palavras, os sons, a música
de Benedetti) e se detenha, como uma orquestra protectora, diante da janela que
está proibido abrir, embalando-lhe o sono e fazendo-o sorrir ao despertar. Aos
médicos alguma coisa se ficou a dever, reconheçamo-lo, mas nós, todos os que ao
redor do mundo demos a nossa contribuição pessoal, juntando poemas de Benedetti
aos poemas de Benedetti, tivemos também a nossa parte no trabalho. Mario
Benedetti está melhor. Leiamos então um poema dele.[1]
José Saramago, O CADERNO
[1] HASTA
MAÑANA
Voy a cerrar los ojos en voz baja
voy a meterme a tientas en el sueño.
En este instante el odio no trabaja
voy a meterme a tientas en el sueño.
En este instante el odio no trabaja
para la muerte, que es su pobre dueño
la voluntad suspende su latido
y yo me siento lejos, tan pequeño
la voluntad suspende su latido
y yo me siento lejos, tan pequeño
que a Dios invoco, pero no le pido
nada, con tal de compartir apenas
este universo que hemos conseguido
nada, con tal de compartir apenas
este universo que hemos conseguido
por las malas y a veces por las
buenas.
¿Por qué el mundo soñado no es el mismo
que este mundo de muerte a manos llenas?
¿Por qué el mundo soñado no es el mismo
que este mundo de muerte a manos llenas?
Mi pesadilla es siempre el optimismo:
me duermo débil, sueño que soy fuerte,
pero el futuro aguarda. Es un abismo.
me duermo débil, sueño que soy fuerte,
pero el futuro aguarda. Es un abismo.
No me lo digan cuando me despierte.
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