Música
Ontem foram
armas, hoje são notas de música. Vamos avançando, portanto. A ideia, segundo
julgo haver entendido, foi da Fundação
Calouste Gulbenkian e a ela se juntaram a Câmara Municipal da Amadora e
o Conservatório
Nacional. Tratava-se de reunir crianças residentes em bairros degradados e
ensinar-lhes música e a tocar um instrumento. O propósito não era original,
basta lembrar a recente revelação da orquestra juvenil de Venezuela,
agora conhecida em todo o mundo, mas o erro de partida teria sido seguir ou
imitar uma ideia má, nociva, de alguma maneira prejudicial, e esta valeria o
seu peso em ouro se uma ideia tão rica de conteúdo pudesse ser pesada. Acabo de
assistir à passagem de um vídeo em que se me apresentaram umas quantas
crianças, de cor na sua maior parte, às voltas com instrumentos em que nem em
sonho haviam posto alguma vez as mãos, manejando arcos e pistões com uma
facilidade para mim assombrosa, pois foi inevitável recordar o tempo, não
muito, em que frequentei a Academia de
Amadores de Música, onde não fiz mais que balbuciar uns vagos solfejos e
tropeçar com os dedos no teclado de um piano. (O meu futuro não estava ali.) E
mesmo que o futuro de todas aquelas crianças não venha a ser a música, tenho a
certeza de que nunca irão esquecer as horas passadas na sala de ensaios e menos
ainda, creio, os caminhos para chegar lá, carregando elas próprias as caixas
dos seus instrumentos, pequenas como para uma flauta, manejáveis se continham
um violino, menos cómodas se de um violoncelo se tratava. A gravidade daqueles
rostos, mesmo quando a boca se lhes descerrou em sorrisos, a luz daqueles
olhares, a ponderação com que respondiam às perguntas, confirmaram uma velha
ideia minha, a de que a felicidade é uma coisa muito séria. Compenetrados,
atentíssimos, ensaiavam uns quantos compassos da Nona
de Beethoven. Creio que os que lêem estas páginas estarão de acordo comigo se
eu disser que é um bom princípio de vida.
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