Charlot
Numa destas
últimas noites vi na televisão alguns filmes antigos de Chaplin, a saber, dois
ou três episódios nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial
e um filme mais extenso, The Pilgrim, que,
retoma, com menos felicidade que noutros casos, o tema recorrente de um Chaplin
sem culpas procurado pela polícia. Não sorri nem uma única vez. Surpreendido
comigo mesmo, como se tivesse faltado a uma jura solene, dei-me ao trabalho de
tentar recordar, tanto quanto me seria possível oitenta anos depois, que risos,
que gargalhadas me terá feito soltar Charlot nos dois cinemas populares de
Lisboa que frequentava quando tinha seis ou sete anos. Não recordei grande
coisa. Os meus ídolos nessa época eram dois cómicos dinamarqueses, Pat e Patachon, que
esses, sim, eram, para mim, autênticos campeões da gargalhada. Continuando a
reflectir com os meus botões, sempre bons conselheiros porque em princípio não
mudam de casa nem de opinião, cheguei à inesperada conclusão de que Chaplin,
afinal, não é um cómico, mas um trágico. Repare-se como tudo é triste, como
tudo é melancólico nos seus filmes. A própria máscara chaplinesca, toda ela em
branco e negro, pele de gesso, sobrancelhas, bigode, olhos como pingos de
alcatrão, é uma máscara que em nada destoaria ao lado das representações
plásticas clássicas do actor trágico. E há mais. O sorriso de Chaplin não é um
sorriso feliz, pelo contrário, aventuro-me a dizer, sabendo ao que me arrisco,
que é tão inquietante que ficaria bem na boca de qualquer drácula. Se eu fosse
mulher, fugiria de um homem que me sorrisse assim. Aqueles incisivos, demasiado
grandes, demasiado regulares, demasiado brancos, assustam. São um esgar no
enquadramento rígido dos lábios. Sei de antemão que pouquíssimos vão estar de
acordo comigo. O caso é que, uma vez que foi decidido que Chaplin é um actor
cómico, ninguém lhe olha para a cara. Creiam no que lhes digo. Olhem-no de
frente sem ideias feitas, observem aquelas feições uma por uma, esqueçam por um
momento a dança dos pezinhos, e digam-me depois o que viram. Chaplin levaria
todos os seus filmes a chorar se pudesse.
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