Corrupção à inglesa
Lê-se e não
se acredita. Dá vontade de promover urgentemente uma subscrição pública capaz
de reunir uns quantos trocos para ajudar os deputados ingleses, tanto trabalhistas
como conservadores, a chegarem ao fim do mês ainda com algumas libras no bolso.
Apetece perguntar: «Império britânico, quem te viu e quem te vê?» Donos de
metade do mundo num passado não tão distante, agora pouco lhes falta para
descer à rua e estender a mão à caridade dos eleitores. Não é que não tenham o
suficiente para comer. Pelo menos que se saiba, não há notícia de que algum
deputado ou deputada tenham desmaiado de fome durante um discurso. A coisa
ainda não chegou aí. Mas que podemos dizer da deputada Cheryl Gillan que passou
à conta do Estado a importância de 87 cêntimos de euro pela compra de duas
latas de comida para cães? Ou do deputado David Willetts, que
chamou um operário para que lhe mudasse 25 lâmpadas em sua casa, pagando o
Estado o trabalho? Ou Alan
Duncan, que reformou o jardim à custa do contribuinte? A lista de casos é
extensíssima.
O escândalo
na Grã-Bretanha
está a atingir tais proporções que o primeiro-ministro Gordon Brown se viu obrigado
a pedir desculpa em nome da classe política do país, incluindo os partidos,
todos eles, perante o gravíssimo descrédito que está a sofrer a reputação dos
políticos que abusam do dinheiro público para cobrir as suas despesas como
deputados. Realmente há que fazer algo para pôr cobro a esta vergonha, onde não
é difícil encontrar sinais de farsa. Eu, por mim, tenho uma ideia: contratar um
novo Robin Hood, um que
ponha a saque os pobres para que não falte dinheiro aos representantes da nação
para as suas despesas miúdas, que em muito casos de miúdas não têm nada, como
foi o caso de David
Cameron, líder dos conservadores, que levou à conta do Estado 92 000 euros
gastos na sua segunda residência. Creiam-me, a solução está à vista. A Robin
Hood não lhe falta experiência e por enquanto ainda tem boa reputação.
José Saramago, O CADERNO
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