Expulsão
Espero que a
estas horas os agressores de Vital Moreira já tenham
sido identificados. Quem são eles, afinal? Que foi que os levou a um
procedimento em todos os aspectos repulsivo? Que ligações partidárias são as
suas? Sem dúvida a resposta mais elucidativa será a que vier a ser dada à
última pergunta. A Vital Moreira chamaram-lhe «traidor», e isto, queira-se ou
não se queira, é bastante claro para que o tomemos como o cordão umbilical que
liga o desprezível episódio do desfile do 1.º de Maio à saída de Vital Moreira
do Partido
Comunista há vinte anos. Neste momento estamos a assistir a algo já
conhecido, toda a gente, com a mais clara falta de sinceridade, a pedir
desculpa a toda a gente ou a exigir, como vestais ofendidas, que outros se
desculpem. De repente, ninguém parece interessado em saber quem foram os
agressores, dignos continuadores daqueles célebres caceteiros que exerceram uma
importante actividade política pela via da cachaporra em épocas passadas. Não
tanto por contrariar, mas por uma questão de higiene mental, gostaria eu de
saber que relação orgânica existe (se existe) entre os agressores e o partido
de que sou militante há quarenta anos. São militantes também eles? São meros
simpatizantes? Se são apenas simpatizantes, o partido nada poderá contra eles,
mas, se são militantes, sim, poderá. Por exemplo, expulsá-los. Que diz a esta
ideia o secretário-geral? Serão provocadores alheios à política, desesperados
por sofrerem esta crise e que pensam que o inimigo é o PS e
o candidato independente às eleições europeias?… Não se pode simplificar tanto,
nem na rua nem nos gabinetes.
Embora o
tenham incluído na lista dos candidatos, o Prémio Nobel de
Literatura nunca se encontrará com o seu amigo Vital Moreira no Parlamento Europeu.
Dir-se-á que a culpa é sua, pois sempre quis ir em lugar não elegível, mas também
se deverá dizer que sobre ele em nenhum momento se exerceu a mínima pressão
para que não fosse assim. Nem sequer a Assembleia da
República pôde conhecer os meus brilhantes dotes oratórios… Não me queixo,
mais tempo tive para os meus livros, mas o que é, é, e alguma explicação terá.
Que espero que não seja por me considerarem a mim também traidor, pois embora
militante disciplinado, nem sempre estive de acordo com decisões políticas do
meu partido. Como, por exemplo, apresentar listas separadas para a Câmara de Lisboa, que, pelos vistos, vamos
entregar a Santana
Lopes, isso sim, sem que ninguém tenha perdido a virgindade do pacto
municipal. Apetece dizer «Deus nos valha», porque nós parecemos incapazes.
José Saramago, O CADERNO
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