Poetas e poesia
Não será com
todos nem será sempre, mas às vezes acontece o que estamos vendo nestes dias:
que, por ter morrido um poeta aparecem, em todo o mundo, leitores de poesia que
se declaram devotos de Mario
Benedetti e que precisam de um poema que expresse o seu desconsolo e talvez
também para recordar um passado em que a poesia teve lugar permanente, quando
hoje é a economia que nos impede de dormir. Assim, vemos que de repente se
estabelece um tráfico de poesia que deve ter deixado perplexos os medidores
oficiais, porque de um continente a outro saltam mensagens estranhas, de
factura original, linha curtas que parecem dizer mais do que à primeira vista
se crê. Os decifradores de códigos não têm mãos a medir, há demasiados enigmas
para decifrar, demasiados abraços e demasiada música acompanhando sentimentos
que são demasiados: o mundo não poderia suportar muitos dias desta intensidade
emocional, mas tão-pouco, sem a poesia que hoje se expressa, seríamos
inteiramente humanos. E isto, em poucas linhas, é o que está sucedendo: morreu
Mario Benedetti em Montevideo
e o planeta tornou-se pequeno para albergar a emoção das pessoas. De súbito os
livros abriram-se e começaram a expandir-se em versos, versos de despedida,
versos de militância, versos de amor, as constantes da vida de Benedetti, junto
à sua pátria, aos seus amigos, ao futebol e alguns boliches de trago largo e
noites mais largas ainda.
Morreu
Benedetti, esse poeta que soube fazer-nos viver os nossos momentos mais íntimos
e as nossas raivas menos ocultas. Se com os seus poemas saímos à rua – lado a
lado somos muito mais que dois –, se lendo Geografias,
por exemplo, aprendemos a amar um país pequeno e um continente grande, agora,
segundo as cartas que chegam à Fundação, recuperaram-se momentos de amor que
deram sentido a tempos passados, e quem sabe se presentes. Isso também o
devemos a Benedetti, ao poeta que ao morrer fez de nós herdeiros da bagagem de
uma vida fora do comum.
«No es verdad que el mundo está todo descubierto.
El mundo no es sólo la geografía con sus valles y montañas, sus ríos y
sus lagos, sus planicies, los grandes mares, las ciudades y las calles, los
desiertos que ven pasar el tiempo, el tiempo que nos ve pasar a todos. El mundo
es también las voces humanas, ese milagro de la palabra que se repite todos los
días, como un corona de sonidos viajando en el espacio. Muchas de esas voces
cantan, algunas cantan verdaderamente. La primera vez que oí cantar a Tania Libertad tuve la revelación de las alturas de la
emoción a que puede llevarnos una voz desnuda, sola delante del mundo, sin
ningún instrumento que la acompañara. Tania cantaba a
capella La paloma de Rafael Alberti, y cada
nota acariciaba una cuerda de mi sensibilidad hasta el deslumbramiento.
Ahora Tania
Libertad canta a Mario Benedetti, ese gran poeta a quien tan bien le
sentaría el nombre de Mario Libertad...
Son dos voces humanas, profundamente humanas,
que la música de la poesía y la poesía de la música han reunido. De él la
palabras, de ella la voz.
Oyéndolas estamos más cerca del mundo, más
cerca de la libertad, más cerca de nosotros mismos.»
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