A
coragem
Patricia
Kolesnicov é jornalista e argentina, mais jornalista que argentina em minha
opinião, mas isto é só uma pequena ideia de literato, colocar a profissão antes
da nacionalidade como se estivesse a substituir um mundo por outro. Há anos
apareceu-lhe um cancro da mama que enfrentou com a coragem de que só uma mulher
é capaz. Não o digo para parecer bem, para ganhar indulgências entre a outra
metade da humanidade. Se o digo é simplesmente porque o penso: perante a dor,
perante o sofrimento, elas são muito mais valentes que nós. A criança que chora
e se lastima por ter esfolado um joelho continua a existir no homem mesmo que
passem muitos anos, e quantos mais passem, mais essa presença se notará. A
mulher meteu-lhe uma decidida chupeta na boca e, se a não conseguiu calar de
todo, ao menos aplicou uma surdina aos seus queixumes, que os tornará
relativamente suportáveis a ouvidos e sensibilidades alheias. O homem exibe, a
mulher não quer que se note.
Quando o
cancro foi vencido, Patricia escreveu um livro a que pôs o título de Biografia do meu
cancro. Não gostei e disse-lho, mas ela não me fez caso. O livro (publicado
também em Portugal, na Caminho) traça sem complacências um percurso duríssimo
e, talvez para honrar a palavra daqueles que afirmam existir um humor judeu
particular (Patrícia é judia), o relato, que noutras mãos seria grave,
inquietante, inclusive assustador, desperta frequentemente em nós um sorriso
cúmplice, uma súbita risada, uma irreprimível gargalhada. Com um pouco mais
Patricia Kolesnicov tornar-se-ia mestra do paradoxo e do mais negro dos
humores.
Patricia
acaba de recuperar os direitos sobre a sua obra e não lhe ocorreu melhor ideia
que pô-la na internet para uso, disfrute e lição de toda a gente. Leiam-na e
agradeçam-lhe. E, já agora, agradeçam-me também a mim que sou seu amigo e
escrevi estas palavras justas, mínimas para o que ela mereceria, mas que outros
(os seus leitores) farão crescer pela via do respeito e da admiração. Pela
coragem.
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