quinta-feira, 12 de maio de 2011

O FENÓMENO

Também eu, quando jovem, algumas vezes caí na parvoíce de pagar para ir ao Circo ou à Barraca ver o «Fenómeno»... «A Mulher Barbuda», «O Homem das Forças», «A bezerra de três cabeças e doze patas» e outros «fenómenos» rivais dos do Entroncamento.
Um dos últimos que por aí andou foi um pobre e infeliz rapaz de Moçambique, o Gabriel, que sofria duma doença que lhe foi alongando os ossos até o matar jovem. Em vez de o internarem num hospital, exibiam-no pelas feiras como o «Homem mais alto do Mundo». Até onde chega a estupidez humana.
Não cheguei a ir ver o «fenómeno» de Moçambique.
Mas no último domingo não resisti à atracção do «fenómeno» mais recente de Barroso.
Eu ia a caminho da Fronteira, quando reparei na extraordinária quantidade de carros que virava para Sendim. Julgando tratar-se dalguma festa ou chega de bois, fui atrás deles.
Com alguma surpresa, reparei que os carros se não dirigiam à aldeia, mas a contornavam pelo norte, por um estradão de terra batida que eu nunca vira. Tentei segui-los. Mas a poeira era tanta que eu parei um pouco a olhar para Sendim e a lembrar-me de coisas deste género: de ter lido, não me recorda agora quando nem onde, que o grande Júlio César aqui tinha hibernado com as suas tropas no longínquo ano de 69 a. C.; de que, no século XVI aqui existia um esbelto castelo roqueiro fielmente reproduzido por Duarte Darmas no «Livro das Fortalezas»; de que, na noite de 6 para 7 de Julho de 1912, aqui bivacou Paiva Couceiro com a sua tropa-fandanga. O lastro de recordações inúteis que um velho transporta consigo...
Mas os carros não cessavam de passar e eu não tive outro remédio se não aventurar-me às nuvens de poeira. Por entre elas fui descobrindo manadas de vacas, umas tosando a ervagem de Maio, outras deitadas a ruminar placidamente; um marco fronteiriço com um P numa das faces e um E na outra; três com as maiúsculas C. M. que eu deduzo tratar-se dos limites do Couto Misto de Santiago de Rubiás; e, ao cabo de 13 quilómetros de solavancos e toneladas de pó a morder-me os olhos, a garganta, a pele e as mucosas, nove monstros da hedionda estirpe dos Golias, Polifemos, Adamastores e quejandos, a barrar-me o caminho. Seis de pé, cabeça altaneira, a furarem o azul do céu, e três ainda estirados por terra.
Saí do carro.
A minha primeira exclamação foi para a maravilhosa paisagem que dali se avista sobre os extensos e policromados vales dos rios Cavado, barrosão, e Salas, galego. Só para um homem desfrutar esta maravilha, teria merecido a pena abrir a estrada.
Para ver as «Torres Eólicas», não. Inestéticas, medonhas, repelentes. Que geram riqueza, dizem. Para quem?
Para já, despertam apenas curiosidade. Aquilo era uma romaria. Automóveis, jeeps, camionetas, motas, tractores.
Estranhei a ausência de pássaros. Decerto tornaram as torres por espantalhos e fugiram.
Fiz como eles. Fugi dali aterrado.
Nestas últimas noites tenho tido pesadelos. Sonho que a paisagem de Barroso está a ser conspurcada por extraterrestres. Quem nos acode?

Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 81 e s.)

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