terça-feira, 31 de maio de 2011

“Tablóides”

Maio de 76
• Um crítico ilustre, grande poeta e meu admirado amigo, que fora o primeiro a saudar em carta, com entusiasmo, a Páscoa Feliz, exprobou-me num artigo de jornal, anos depois, o meu (frequente?) recurso ao «fantástico», chegando a negar que Uma Aventura Inquietante fosse romance. Que seria então? Não no-lo disse ele. O leitor comum, para quem corno sempre o escrevi, percebeu logo que era romance, e assim o tem lido. Outro crítico diria em conversa privada que eu «estava a mangar com a tropa»: assim com justiça se autoc1assificando. No entanto, um docente de Matemáticas da Universidade do Porto dir-me-ia em carta que o relera muitas vezes, nele achando sempre novos temas filosóficos de interesse. Para a crítica literária, como se vê, não há como os matemáticos!
     Poderia eu perguntar agora: Qual é o papel do «fantástico» na literatura, dentro e fora do romance? a Bíblia, As Mil e Uma Noites, a Ilíada, a Odisseia, a Eneida, Os Lusíadas, o Quixote, a Utopia (de Th. More), o Gulliver, o Robinson Crusoé, o Diabo Coxo, os contos tradicionais em geral, Hoffmann, os Grimm, Andersen, Edgar Poe, a Peau de Chagrin, O Retrato de Dorian Gray, a inigualável Alice in Wonderland (que criou uma linguagem nova), Nodier, Gautier, Nerval, Júlio Veme, Gogol, Lautréamont, Jarry, Kafka, Beckett, Ionesco, e mil obras outras e outros imortais, têm cultivado a rodos o «fantástico»: só eu, obscuro português do século vinte, não posso nem tocá-lo! (Dar-me-ão licença de ir ouvir Tristão e Isolda a S. Carlos?)
     O curioso do caso é que a Aventura se inspira do banal achado (meu, real!) de uma carteira vazia na lama e neve de um boulevard, e não há nela qualquer instância do tal «fantástico», transcendente ou sobrenatural!
     São eles (se vale a pena falar disso), os reverendos críticos de ofício, que por vezes parecem viver num outro mundo – o do Inexistente!
• Alguém nos apresentou no grupo o Sr. Botelho de Sousa. O equatoriano Aguinaldo espantou-se: «Que nombres más raros tienen los portugueses!»
     «Que é que este tem de extraordinário?», tornei eu, arrenegado.
     «Botella de sosa!» (garrafa de soda) e escondeu o riso na palma da mão.
     E ainda dizem «línguas irmãs»!

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