segunda-feira, 20 de maio de 2013

Luanda, 20 de Maio de 1973


A alma do negro será realmente um enigma, como me garantiu hoje um padre comilão num almoço de baptizado, ou será romba a compreensão do branco? Enquanto a família que me alberga e uma caterva de convidados se dirigiam à igreja, a meter a cabeça de dois neófitos na pia de água benta, fiquei de plantão à casa e aos acepipes na companhia de duas nativas, uma adulta, que vinha ajudar na cozinha, e outra adolescente, que tomava conta da filha mais nova dos patrões. Às tantas, a pequerrucha, num capricho, pegou numa régua e agrediu a guardiã, que, naturalmente, a desarmou.
– Pretas! Pretas! – gritou a fedelha em fúria.
– Bem sei que sou preta… – murmurou a mais idosa.
«Bem sei que sou preta» é exactamente o oposto de «bem sei que sou branca». E há quinhentos anos que as duas etnias se excluem mutuamente nos termos estritos deste dilema bárbaro.

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