quarta-feira, 8 de maio de 2013

8 – Maio (terça). [1990]

Portanto, vinda a Lisboa. Há um jantar a cumprir na sexta, devido a uns amigos – a um deles há já uns três anos. Mas na velhice é assim, o tempo significativo conta-se por décadas ou coisa parecida. E aqui sentado no meu sofá, ponho a girar no prato do aparelho um disco com uma missa de Pierre Henry que já tenho e ouvi há anos, mas que já esquecera. E na primeira face do disco, que já acabou, a missa é cantada numa só nota grossa, muito parecida com a do porco. Viro o disco e ouço uma berraria áspera e sempre com um fundo guinchado e raspado de música. Que é que isto quer dizer? Nos jornais culturais o que é agora novidade é a «morte dos valores», a perda de sentido após a derrocada do Leste – mesmo para a reacção (também já o disse no meu texto do Diário de Lisboa), o vazio de que já falei há dezenas de anos. E à mistura com isso, nomes de escritores, ensaístas e cronistas políticos. E em saldo de tudo isso o reconhecimento de que sou tremendamente ignorante. Mas vale a pena aprender? O que aprendesse não entrava na organização do que aprendo. Custou-me muito a aprender, não o vou agora deitar ao lixo para pôr lá o lixo futuro. Sou imensamente ignorante. Mas é extraordinário como isso me não põe rubor na alma. Ouço a missa grunhida do disco. O saber que não tenho, tem esta música no seu interior. Que se cozam.

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