A morte à porta de casa
À porta de Lanzarote, à porta da casa que, se a sorte ajudasse, talvez pudesse vir a ser a sua nova casa. A vinte metros da costa, em Costa Teguise, quando certamente já trocavam uns com os outros risos e palavras de alegria por terem conseguido chegar a bom porto, a rebentação fez virar o caiúco. Haviam atravessado os cem quilómetros que separam a ilha da costa africana e vieram morrer a vinte metros da salvação. Dos mais de trinta imigrantes a quem a necessidade extrema tinha obrigado a enfrentar os perigos do mar, em sua maioria jovens e adolescentes, vinte e quatro morreram afogados, entre eles uma mulher grávida e algumas crianças de poucos anos. Seis salvaram-se graças à coragem e à abnegação de dois surfistas que se lançaram à água e os livraram de uma morte que sem a sua intervenção teria sido inevitável.
Este é, nas palavras mais simples e directas que pude encontrar, o quadro do que aconteceu aqui. Não sei que mais poderia dizer. Hoje faltam-me as palavras e sobram as emoções. Até quando?
José Saramago, O CADERNO
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