29 - Abril (sábado). Ontem fui apresentar nos Jerónimos o livro Vício de África do Alberto da Costa e Silva, embaixador do Brasil. Péssima ideia de a coisa se fazer nos Jerónimos – excepto pela imponência do local. As abóbadas góticas (manuelinas), a amplidão do recinto, davam uma ressonância de feira à conversa que os microfones ampliavam. Muita gente, poucos intelectuais, nenhuma entidade oficial. Verinha – a mulher do Alberto – disse-me que o Mário Soares, convidado e amigo pessoal, se raspara para o sol do Algarve. Bom. Portanto – palrei. E do que disse o que mais me importou dizer foi que para os não-europeus (o caso do nosso Alberto), a Europa é olhada de viés. Alberto enaltece clamorosamente a arte africana. E eu disse que em primeiro lugar a Europa está velha, mas não está gágá. Em segundo lugar, apesar da sua crise, ela é ainda a capital do Mundo – exportaram a substância cinzenta para a América, a tecnologia para o Japão e até a mercadoria avariada, como tal já reconhecida pelos seus produtores, que é o comunismo exportado para a China, outros países da Ásia, África e América Latina. E finalmente, que é depois do aval europeu que os valores extra-europeus se impõem. Assim Faulkner. Assim a arte negra (esqueci-me de falar nas máscaras negras que Picasso impôs com as «Demoiselles d'Avignon»...). Mas há aí um problema e é que a arte primitiva forma um todo com as barbaridades dos negros e costumes dos seus povos. Nós temos bárbaros (Estaline, Hitler), mas consideramo-los tais. Bom. Não vou repetir o meu paleio. Recordo apenas que por fim me referi à página e meia do livro sobre Portugal e à importância criadora e sagrada da palavra poética que significa justamente «criação». E relembrei que, segundo o Génese, quando Deus criou o Mundo foi com palavras que o fez.
conta-corrente – nova série I (1989)
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