Correio da Manhã - 28 Dezembro 2013 - 21h33
Sentir o Direito
A crise e o desespero social não têm produzido um efeito
multiplicador da criminalidade
A
crise e o desespero social não têm produzido, aparentemente, um efeito multiplicador
da criminalidade. Em Portugal, à imagem do que acontece noutros países caídos
em recessão, as estatísticas oficiais têm revelado uma diminuição da
criminalidade, incluindo a violenta. Os homicídios, cujo número subiu,
representam a principal exceção a esta tendência.
Duas
inquietações irrompem neste contexto. Por um lado, é necessário averiguar se as
estatísticas encontram alguma explicação conjuntural, escondendo, por exemplo,
variações das "cifras negras". Por outro lado, é preciso compreender
se esta evolução comprova uma adequação da política criminal seguida nos últimos
anos à realidade da criminalidade atual.
Os
fenómenos de deslocalização podem explicar picos de criminalidade. A instalação
de sistemas de videovigilância ou a reabilitação de bairros frequentados por
delinquentes não eliminam, por si só, a criminalidade – afastam-na. E o aumento
da criminalidade pode estar associado à previsão de novos crimes e a uma maior
intolerância na perseguição de outros.
Pelo
contrário, a crise e a recessão não determinam, necessariamente, o aumento dos
crimes contra a propriedade. Os estudos criminológicos publicados por David Cantor
e Keneth Land, em 1985, referentes à evolução registada nos Estados Unidos após
a II Grande Guerra, revelam que a subida da taxa de desemprego não implica o
aumento da criminalidade.
Tal
como vaticinei, nas páginas do CM, em 2010, pode haver menos bens em circulação
e uma consequente redução das oportunidades de praticar o crime num contexto
recessivo. A explosão do consumo, diferentemente, conduz a um aumento dos
crimes contra a propriedade, como aconteceu na Europa do pós-guerra ou, entre nós,
após o 25 de Abril.
Mas
a questão fundamental que a redução da criminalidade suscita é a justificação
das políticas securitárias. Aumentar as penas, restringir a liberdade
condicional, investir em mais prisões e reforçar as polícias parece ter
perdido, de repente, o sentido. O discurso securitário de há alguns anos atrás,
apoiado no sentimento de (in)segurança, não tem fundamento.
Como
nada mudou de significativo na política criminal, perguntar-se-á se a redução
da criminalidade não justificará, afinal, uma reorientação dos esforços para a
reinserção social e para outras áreas preventivas do sistema. Os frutos da política
criminal aferem-se a médio e longo prazo e é desta reorientação que vai
depender a redução da criminalidade no futuro.
Fernanda Palma,
Professora catedrática de Direito Penal
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