segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Aforismos & desaforismos de Aparício

Um poeta conhecido sobe, à noite, a Rua Nova do Carmo, orando para a roda dos satélites, que o escutam em silêncio e respeito. Quase ao dobrar a esquina para a Rua Garrett, esbarra com um confrade igualmente famoso, que desce, acompanhado também da sua corte. Param, abraçam-se, quase se beijam, olham-se enternecidos e sorridentes. «Não há quem no veja!... Bons olhos!... Há quanto tempo!... Felicíssimo!... Admirador constante!...», e outras expressões de mútua estima e consideração. Todos os presentes exultam.
Separam-se e continuam, um, a subir, o outro, a descer a reluzente calçada. Diz o primeiro:
«Este grandecíssimo escroque, que me deve dinheiro e favores, que já me tem plagiado e pregado diversas partidas, e anda por aí a dizer horrores de mim, merecia era que eu lhe cuspisse na cara!» Et cetera. Os satélites escutam-no, estarrecidos e venerantes.
Entretanto, o Poeta que desce repete para o seu próprio séquito, aproximadamente, as mesmas diatribes e lisonjeiras ausências ao primeiro. Escutado com não menos deferência e constrangimento. E a noite corre.
Autêntico! Assim era no tempo em que havia Poetas no Chiado. E admiradores fiéis. E franqueza – pelas costas.
[23/2/1977]

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