No Café,
deixei desfiar de pérolas de fumo:
– Apesar de
tudo, custa-me a crer que o Marcelo despreze a grande zona da opinião pública
intelectual e pequeno-burguesa, que se opõe ao regime, e não tente sequer conquista-la
com ilusões. É o único toque que
poderia dar novidade e abertura ao seu consulado…
.
. .
Mas no
discurso inicial pouco tempo perdeu connosco, claro. Nem admira, preocupado com
a vigilância do Argus dos mil olhos dos “ultras”. Falou, sobretudo, para essa
gente desejosa de escutar os chavões tranquilizadores do costume, que ele
utilizou como quem recapitula lugares-comuns necessários: o “génio” do
Moribundo, a continuação da guerra em África, o olho posto nos perturbadores da
retaguarda e a defesa da Ordem pública para gozo das “pessoas honestas”, sem
esquecer a inevitável condenação do comunismo, “sepultura da liberdade dos
Indivíduos”, etc.
E só, em
certa altura, para nos passar um vago sabor a mel na boca, se referiu timidamente
a “algumas liberdades que se desejaria ver restauradas” (portanto, independentemente
suprimidas, ou não?)…
Por enquanto,
a subida ao trono de Marcello Caetano trouxe-nos apenas esta vantagem (e não
pequena, sejamos justos): o desaparecimento de cena do sinistro Paulo
Rodrigues, fascista-nazi de costumes dúbios que, à sombra do ex-primeiro
Ministro meio gágá, e sob o pretexto de defender a retaguarda (talvez para
consolo da própria “retaguarda”), impunha uma censura infame a todas as
manifestações de espírito: teatro, cinema, literatura, jornalismo… Com a
supressão desse bistre, vai poder respirar-se se um pouco mais. Não muito,
talvez. Mas imenso, para quem vivia com os lábios “por lei cosidos na face”.
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. .
Agora mesmo,
sintonizei por acaso a estação clandestina “Portugal Livre” (oriunda de Praga,
suponho), onde uma rapariga com voz de exaltação quase histérica incitava aos
gritos os portugueses a virem para a rua combater, lutar, morrer, construir
barricadas…
Mas isto é
connosco? – perguntei a mim mesmo, pasmado com esses heroicos revolucionários emigrados
que ignoram o facto comezinho da despolitização geral do nosso povo, que não
quer bater-se por coisa nenhuma.
Liberdade,
sim – mas oferecida numa bandeja. E
mesmo assim com a condição de saber a tirania disfarçada!
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