Vale de Malhadas, Freixo de Numão, 2
de Novembro de 1980 – Chuvisca. Os companheiros foram-se encharcar nos
carrascais e deixaram-me a arder em febre num catre de quinta, a oscilar entre
a lucidez e o delírio. Trata-se de uma simples gripe, que nem por isso é um
atentado menos absurdo à minha normalidade humana. Cada vez compreendo menos a
doença. A que propósito sinto estes arrepios e estas dores musculares? Ontem
não sofria, e hoje sofro. Ontem não pensava no corpo, e hoje é ele o objecto de
todos os meus cuidados. Enrodilhado em mim mesmo, pareço um bicho indefeso no
ninho. Nada há que verdadeiramente me interesse senão ouvir no travesseiro duro
as pancadas do coração repercutidas nas têmporas. Lá fora, os montes e o rio,
com o mau tempo, devem estar majestosos e patéticos. Mas nem sequer vontade
tenho de os espreitar da janela. A paisagem agora sou eu.
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