Não ao Desemprego
Diante das manifestações
que se estão preparando em toda a Europa, de protesto contra o desemprego,
escrevi, a pedido de um grupo de sindicalistas, o texto que a seguir se
reproduz.
Não
ao Desemprego
A gravíssima crise
económica e financeira que está convulsionando o mundo traz-nos a angustiante
sensação de que chegámos ao final de uma época sem que se consiga vislumbrar o
que e como será o que virá de seguida.
Que fazemos nós, que
assistimos, impotentes, ao avanço esmagador dos grandes potentados económicos e
financeiros, loucos por conquistar mais e mais dinheiro, mais e mais poder, com
todos os meios legais ou ilegais ao seu alcance, limpos ou sujos, regulares ou
criminais?
Podemos deixar a saída da
crise nas mãos dos peritos? Não são eles precisamente, os banqueiros, os
políticos de máximo nível mundial, os directores das grandes multinacionais, os
especuladores, com a cumplicidade dos meios de comunicação social, os que, com
a soberba de quem se considera possuidor da última sabedoria, nos mandavam
calar quando, nos últimos trinta anos, timidamente protestávamos, dizendo que
não sabíamos nada, e por isso nos ridicularizavam? Era o tempo do império
absoluto do Mercado, essa entidade presunçosamente auto-reformável e
auto-regulável encarregada pelo imutável destino de preparar e defender para
sempre e jamais a nossa felicidade pessoal e colectiva, ainda que a realidade
se encarregasse de desmenti-lo a cada hora que passava.
E agora, quando cada dia
aumenta o número de desempregados? Vão acabar por fim os paraísos fiscais e as
contas numeradas? Será implacavelmente investigada a origem de gigantescos
depósitos bancários, de engenharias financeiras claramente delitivas, de
inversões opacas que, em muitos casos, mais não são que massivas lavagens de
dinheiro negro, do narcotráfico e outras actividades canalhas? E os expedientes
de crise, habilmente preparados para benefício dos conselhos de administração e
contra os trabalhadores?
Quem resolve o problema
dos desempregados, milhões de vítimas da chamada crise, que pela avareza, a
maldade ou a estupidez dos poderosos vão continuar desempregados, mal-vivendo
temporariamente de míseros subsídios do Estado, enquanto os grandes executivos
e administradores de empresas deliberadamente conduzidas à falência gozam de
quantias milionárias cobertas por contratos blindados?
O que se está a passar é,
em todos os aspectos, um crime contra a humanidade e desde esta perspectiva
deve ser analisado nos fóruns públicos e nas consciências. Não é exagero.
Crimes contra a humanidade não são apenas os genocídios, os etnocídios, os
campos de morte, as torturas, os assassinatos selectivos, as fomes
deliberadamente provocadas, as contaminações maciças, as humilhações como
método repressivo da identidade das vítimas. Crime contra a humanidade é também
o que os poderes financeiros e económicos, com a cumplicidade efectiva ou
tácita de os governos, friamente perpetraram contra milhões de pessoas em todo
o mundo, ameaçadas de perder o que lhes resta, a sua casa e as suas poupanças,
depois de terem perdido a única e tantas vezes escassa fonte de rendimiento,
quer dizer, o seu trabalho.
Dizer «Não ao Desemprego»
é um dever ético, um imperativo moral. Como o é denunciar que esta situação não
a geraram os trabalhadores, que não são eles os que devem pagar a estultícia e
os erros do sistema.
Dizer «Não ao Desemprego»
é travar o genocídio lento mas implacável a que o sistema condena milhões de
pessoas. Sabemos que podemos sair desta crise, sabemos que não pedimos a lua. E
sabemos que temos voz para usá-la. Frente à soberba do sistema, invoquemos o
nosso direito à crítica e ao nosso protesto. Eles não sabem tudo. Equivocaram-se.
Enganaram-nos. Não aceitaremos ser suas vítimas.
José Saramago, O CADERNO
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