sexta-feira, 4 de maio de 2012

Dia 4 [Maio de 2009]

Benedetti
O susto foi grande, Mario Benedetti estava no hospital e o seu estado era considerado grave. Ángel González foi-se-nos quase sem aviso, numa fria madrugada de Janeiro. Que agora fosse a vida de Benedetti a estar em perigo lá no seu distante Montevideo era algo que a preocupação aqui despertada não se resignava a aceitar. E, contudo, nada podíamos fazer. Enviar telegramas, à antiga usança? Mandar recados por algum amigo? Rezar uma oração pelo seu pronto restabelecimento, se com isso não fôssemos provocar a ira laica de Mario? Pilar encontrou a solução. Que era em verdade Mario Benedetti, que havia sido ele em toda a sua  vida, muito mais que as múltiplas profissões exercidas? Poeta. Então arranquemos os seus poemas à imobilidade da página e façamos com eles uma nuvem de palavras, de sons, de música, que atravesse o mar atlântico (as palavras, os sons, a música de Benedetti) e se detenha, como uma orquestra protectora, diante da janela que está proibido abrir, embalando-lhe o sono e fazendo-o sorrir ao despertar. Aos médicos alguma coisa se ficou a dever, reconheçamo-lo, mas nós, todos os que ao redor do mundo demos a nossa contribuição pessoal, juntando poemas de Benedetti aos poemas de Benedetti, tivemos também a nossa parte no trabalho. Mario Benedetti está melhor. Leiamos então um poema dele.[1]
José Saramago, O CADERNO


[1] HASTA MAÑANA
Voy a cerrar los ojos en voz baja
voy a meterme a tientas en el sueño.
En este instante el odio no trabaja
para la muerte, que es su pobre dueño
la voluntad suspende su latido
y yo me siento lejos, tan pequeño
que a Dios invoco, pero no le pido
nada, con tal de compartir apenas
este universo que hemos conseguido
por las malas y a veces por las buenas.
¿Por qué el mundo soñado no es el mismo
que este mundo de muerte a manos llenas?
Mi pesadilla es siempre el optimismo:
me duermo débil, sueño que soy fuerte,
pero el futuro aguarda. Es un abismo.
No me lo digan cuando me despierte.

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