09/08/2013 - 11:14 (actualizado às 19:22)
Em Dezembro faria 90 anos, tinha 61 anos de carreira literária.
O escritor, jornalista e militante do PCP
Urbano Tavares Rodrigues morreu na manhã desta sexta-feira, no Hospital dos
Capuchos, em Lisboa. Estava a poucos meses de completar 90 anos.
O escritor estava internado há três
dias. A notícia foi conhecida através da página de Facebook "Urbano Tavares Rodrigues
- escritor" e foi publicada pela filha, a escritora
Isabel Fraga: "O meu pai acaba de nos deixar. Estava internado nos
Capuchos há três dias. Não tenho mais informações. Soube agora mesmo." O
PÚBLICO confirmou.
O corpo de Urbano Tavares Rodrigues está
em câmara ardente desde as 19h desta sexta-feira, na Sociedade Portuguesa de
Autores, em Lisboa. O funeral realiza-se no sábado às 18h, "seguindo para
o cemitério do Alto de São João, onde terá lugar a cremação pelas 19h",
diz um comunicado da SPA.
Numa entrevista ao Ípsilon,
em Outubro do ano passado, Urbano Tavares Rodigues dizia: “Mereço amplamente o
Prémio Camões”. A frase saiu a meio de uma conversa sobre livros e política.
Reflectia o sentimento de uma justiça por fazer. Não era a primeira vez que
deixava cair o desabafo. Fazia, então, 60 anos de obra literária e 89 de uma
vida cada vez mais frágil fisicamente devido a uma insuficiência cardíaca.
Continuava a escrever e continuou a editar até ser internado.
Urbano Tavares Rodrigues nasceu em
Lisboa, a 6 de Dezembro de 1923, filho de uma família de grandes proprietários
agrícolas de Moura, Alentejo. Foi, aliás, em Moura que fez a escola
primária. Depois, já em Lisboa ingressou no Liceu Camões, onde foi colega de
Luís Filipe Lindley Cintra e do irmão de Vasco Gonçalves, António.
Licenciou-se na Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa onde cursou Filologia Românica. Desde cedo começou a
militar na oposição ao Estado Novo. Isso valeu-lhe o impedimento de trabalhar
como professor. Passou pela prisão em Caxias e foi para um longo exílio em
França. Em Paris, conheceu alguns dos intelectuais da década de 1950, caso de
Albert Camus, de quem foi amigo e que era presença frequente nas suas
conversas. Foi professor na Faculdade de Letras, crítico literário e esteve
sempre ligado ao Partido Comunista Português.
Mários Soares: "Pessoa com muitas
virtudes"
O escritor, autor de Os
Insubmissos,
era amigo de Mário Soares. “É para mim uma grande e profunda tristeza o
falecimento de Urbano Tavares Rodrigues, de quem fui amigo desde a minha
juventude. Era um amigo íntimo e muito querido, uma pessoa com muitas
virtudes”, disse esta sexta-feira ao PÚBLICO o antigo Presidente da República.
“Tivemos divergências políticas,
naturais, sobretudo porque ele a partir de uma certa fase da vida
transformou-se, tornou-se comunista. Mas quando nos víamos éramos os amigos de
sempre, tínhamos conversas óptimas, discutíamos política”, acrescentou Mário
Soares, que foi visitar o amigo há uns meses e que, por isso, já esperava a
"notícia triste".
“Nessa altura já o tinha achado muito em
baixo, fiquei convencido de que ele estava numa fase derradeira. De qualquer
maneira é sempre uma tristeza muito grande saber da morte de um amigo querido.
Um amigo que o foi até ao fim porque, apesar das nossas diferenças ideológicas,
nunca deixámos de o ser. Tínhamos muito contacto. Era extremamente humano,
dado. Estimo-o como escritor, como homem. Estimo-o muito.”
Manuel Alegre: "Um escritor que
marcou o século XX"
Autor de uma vasta obra, onde se destaca o romance, a prosa poética, o conto e
a poesia, Urbano Tavares Rodrigues era um crítico atento e presença regular nas
páginas dos jornais. Ao PÚBLICO, Manuel Alegre lembra que foi Urbano o autor do
primeiro texto publicado sobre a Praça da Canção. “Saiu
no República, em pleno fascismo”, lembra o poeta, recordando “um grande amigo,
grande camarada, um escritor que marcou o século XX; um grande prosador que
sempre tomou partido e não se fechou nunca numa torre de marfim e que combateu
pela liberdade, pela acção e pela palavra.”
O escritor e ex-deputado salienta ainda
a enorme atenção de Urbano Tavares Rodrigues às novas gerações de escritores.
Foi para ele que José Luís Peixoto enviou um exemplar da edição de autor de Morreste-me, o seu primeiro livro publicado em
edição de autor. E seria Peixoto a apresentar o último título de Urbano Tavares
Rodrigues, A
Imensa Boca dessa Angústia e outras Histórias, editado em Abril passado pela D. Quixote. “A minha mãe era leitora do
Urbano. Havia muitos livros dele lá em casa. Parte da minha formação foi feita
a lê-los. Na minha adolescência encontrava ali o Alentejo que era a minha
realidade”, disse o escritor ao PÚBLICO.
Também dessa geração mais nova é o
escritor e realizador Possidónio Cachapa, autor do documentário O Adeus à Brisa, uma produção Filmes Tejo para a RTP,
de 2009. Quis mostrar um “Urbano que não fosse envelhecido, mas o retrato de
alguém que tem dentro de si já todas as idades“. Urbano que não fosse
envelhecido, mas o retrato de alguém que tem dentro de si já todas as
idades. Quando terminou a montagem o realizador, que decidiu fazer este
documentário por causa do papel que Urbano Tavares Rodrigues representa na
cultura portuguesa, percebeu que o autor de Tempo de Cinzas não fazia só um balanço da sua vida como dava um último testemunho. “É por
isso que o filme começa com as primeiras impressões dele – quando andava a
cavalo na sua infância – e termina com a sua melhor memória. E é de novo a
memória de andar a cavalo, de andar nos campos. É um círculo que se fecha”,
conta ao PÚBLICO, o realizador e autor do romance Materna Doçura.
“Um autor é a sua obra e aquilo que ele
fez, que está documentado” afirma Possidónio Cachapa. “Urbano Tavares Rodrigues
é muito mais do que alguns rótulos que se lhe possam colocar. Ele fez o que fez
pelo seu sentido de humanidade, pelo coração. O irmão dele diz que Urbano chega
ao Partido Comunista Português pelo coração e não pela ideologia. Tinha a visão
do que devia ser uma humanidade harmoniosa e ao mesmo tempo deparava-se com um
sistema que não funcionava.“
Na entrevista que deu ao Ípsilon em
2007, Urbano Tavares Rodrigues confessou que o momento mais difícil no interior
do Partido Comunista Português foi “quando se começou a saber, por cá, a
realidade imposta pelo Estaline.” E quando questionado sobre os seus heróis
respondeu: “Os meus heróis? O meu irmão e Álvaro Cunhal! Fiquei encantado com o
Gorbatchov! Mas, volvidos estes anos, em questões de poder, a Rússia de Putin
inspira sérias preocupações. Não gosto nada dele.”
Mário Cláudio: "Nos anos 50/60 foi
uma lufada de ar fresco na literatura portuguesa"
O escritor Mário Cláudio, lamenta muito a sua morte, mesmo se ela estava
anunciada devido à sua doença. "Foi um amigo do coração, mestre de
escrita, de coragem, de profissionalismo, de companheirismo, de humanidade, de
espírito de conciliação para além de todo o sectarismo", disse ao PÚBLICO
o escritor num depoimento por telefone.
Urbano Tavares Rodrigues "era
alguém de quem se dizia bem em vida – o que não é habitual entre nós –, não só
como escritor mas também no plano cívico. Nunca usou o seu posicionamento
político, que era bem conhecido, para fazer qualquer espécie de
segregacionismo. Há melhor? Não há. Parecido? Também não. Quase não se acredita
que fosse português. Mas era. Por isso, nem toda a esperança está
perdida."
O que Mário Cláudio também acha
admirável em Urbano Tavares Rodrigues é que ele manteve a sua oficina de
escrita até ao fim, e também o seu contacto com os amigos e companheiros de
escrita. "Nos anos 50/60, ele surgiu como uma lufada de ar fresco na
literatura portuguesa, tendo conseguido superar o modelo neo-realista,
estabelecendo pontes com a literatura francesa da época e o realismo mágico da
América Latina. E enfrentou de forma aberta, sem falsos pudores, o tema do sexo
e do erotismo."
"Uma figura assim não podia escapar
a determinadas agressões: morderam-lhe os calcanhares – era fatal que isso
acontecesse. Mas Urbano Tavares Rodrigues foi sempre superior a tudo isso.
Deixou um itinerário de excelência", concluiu Mário Cláudio.
Uma carta sobre tolerância para o filho
de sete anos
Da Amazónia, onde está a participar num festival, José Luís Peixoto lamenta a
morte do amigo, lembra a generosidade do homem que nos últimos anos tinha
“alguma mágoa por ver a vida afastar-se de si”. Sinal dessa vitalidade que
agora se manifestava apenas na escrita, lembra, Peixoto, é o filho de Urbano
Tavares Rodrigues, António. Para ele Urbano deixou uma carta. Falava muito
dela. Dizia que era a grande herança que lhe deixava. António que agora tem
sete anos, deveria abri-la aos dez anos. A mensagem é a da tolerância.
A académica Maria Alzira Seixo foi sua
aluna no primeiro ano da Faculdade de Letras de Lisboa. Contou ao Ípsilon que o
professor passava por ela e dizia: "Sabe, trago sempre comigo a pasta de
dentes e o pijama.”A aluna naquela época, finais dos anos 50, achava
desconcertante o desabafo. E nesse artigo do Ípsilon, em 2007, explicava ainda
que quando, em 1958, apareceu Uma
Pedrada no Charco, com que
Urbano Tavares Rodrigues ganhou o seu primeiro prémio, o Ricardo Malheiros, da
Academia de Ciências, percebeu o que o seu professor lhe queria dizer: “No mesmo
dia o Urbano era chamado e às vezes preso pela PIDE [a ex-polícia política da
ditadura de Salazar].”
“Portugal perde um grande escritor e um
homem exemplar. Lutou sempre pelas suas convicções com um grande sentido
humanista”, diz ao PÚBLICO o editor Manuel Alberto Valente, que perdeu um
grande amigo. “Julgo que Portugal não lhe prestou a merecida homenagem em vida
e espero que agora se lembre de lha prestar”, acrescenta o director da Porto
Editora. “Enquanto isso, espero que as pessoas o possam homenagear lendo os
seus livros."
Baptista-Bastos: "As coisas de inveja não eram com ele"
“Há uma parte de Portugal que vai com ele [Urbano Tavares Rodrigues], que é o
Portugal interveniente. O Urbano tinha uma coragem moral e física, invulgares,
que nem sempre se acompanham”, disse à agência Lusa o escritor e jornalista
Baptista-Bastos, que recordou o “amigo e camarada exemplar”. “As coisas
de inveja não eram com ele”, afirmou. “Com os mais novos era de uma
generosidade escancarada”, acrescentou o autor de O Secreto Adeus que conheceu Urbano quando ainda era rapaz.
Baptista-Bastos recordou ainda à Lusa
alguns dos “feitos” do autor deBastardos do Sol. Como
quando, “numa das vezes em que foi preso pela PIDE [Polícia Internacional de
Defesa do Estado]”, a polícia política da ditadura, antes do 25 de Abril de
1974, “Urbano, rodeado de ‘pides’ virou-se para eles, e disse: ‘Antes que me
batam, levam com esta cadeira’, e partiu-a em dois ou três daqueles ‘mariolas’,
mas - é claro -, depois levou uma monumental tareia”.
Outro dia, lembra ainda Baptista-Bastos,
vários escritores e advogados da oposição juntaram-se à porta da livraria Sá da
Costa, em Lisboa, e viram o Urbano a descer o Chiado na direcção deles. “De
repente, vimo-lo voltar atrás e entrar na pastelaria Bénard e, dali a pouco,
ouvimos um ‘catrapaz, catrapuz!’ e fomos ver. Tinha sido o Urbano que se virara
ao Manuel Múrias [crítico do jornal Diário da Manhã, matutino oficioso do regime ditatorial] que era um homem corpulento de
dois metros de altura”, contou Baptista-Bastos à Lusa. “O caso tinha sido que o
Múrias tinha feito uma crítica ignóbil a um livro da Maria Judite de Carvalho,
[então] mulher do Urbano, na qual sugeria que, em vez de escrever livros, devia
ficar em casa a fazer filhos, uma coisa que é de uma ordinarice total”,
desabafou Baptista-Bastos. Urbano Tavares Rodrigues “não era um homem para
graças, era um homem de grande fibra”.
A despedida no novo livro: "E tudo
será luz"
Em 2007 começaram a ser publicadas pela Dom Quixote as suas Obras Completas. Entre
os cerca dos cem títulos que publicou destacam-se Bastardos do Sol, Dissolução, Estrada de morrer, Agosto no Cairo: 1956, O Tema da Morte na Moderna Poesia Portuguesa, integrado depois em O Tema da Morte: Ensaios, O Algarve na Obra de Teixeira Gomes, A Saudade na Poesia Portuguesa, A Natureza do Acto
Criador, O último dia e o primeiro, Contos da solidão, Os insubmissos, Tempo de cinzas, Torres Milenários, Bastardos do Sol, O Algarve em poema, Os Cadernos Secretos do Prior do Crato. Nessa altura, Urbano Tavares Rodrigues
disse ao Ípslion que era a concretização de um sonho antigo. No início de
Julho passado fez chegar à sua editora na Dom Quixote, Cecília
Andrade, aquele que será o seu último livro, Nenhuma Vida, a publicar ainda este ano,
divulgou nesta sexta-feira a editora.
Esse romance, que será lançado para
assinalar os 90 anos do escritor, aborda questões que Urbano Tavares Rodrigues
tratou na sua obra, mas também ao longo da sua vida, como as lutas políticas e
sociais, a solidariedade, as relações humanas, mas também a sexualidade e o
erotismo. “É um romance muito curto e onde está todo o espírito do autor”,
diz Cecília Andrade, acrescentando que apesar de as personagens não serem
auto-biográficas, as questões abordadas têm muito da experiência do autor.
Tem um prefácio escrito pelo próprio e
que é já uma despedida. "Daqui me vou despedindo, pouco a pouco, lutando
com a minha angústia e vencendo-a, dizendo um maravilhado adeus à água fresca
do mar e dos rios onde nadei, ao perfume das flores e das crianças, e à beleza
das mulheres. Um cravo vermelho e a bandeira do meu Partido hão-de
acompanhar-me e tudo será luz".
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