Terminou
o mês de Julho, o sétimo do ano, assim denominado em honra de Júlio César, diz
o dicionário.
Na
aldeia da minha infância, onde raros sabiam ler e ninguém tinha dicionário,
chamavam-lhe o mês das Segadas. Era durante ele que se ceifavam os fenos e as
messes e eu perseguia os melros.
Toda
a minha infância está cheia de melros. Eu seguia-lhes, pelas variações do
assobio e do riso, a vida íntima. O acasalamento, a construção do ninho, a
postura. Depois, era conforme. Se soubesse de vários ninhos com ovos frescos e
o desejo me pedisse uma bica d'ovos, saqueava tudo no mesmo dia e punha a caçoila
ao lume. Se o desejo se inclinasse para uma espetada ou arroz, aguardava que os
pássaros crescessem e emplumassem.
Convencido
de que os melros não tinham outra serventia neste mundo, fiz isto durante anos.
Mas
quis o destino que eu fosse à Ribeira e pernoitasse em casa dum amigo de meu
pai. De manhã acordei com o assobio dum melro. E o solista cantava ali tão
perto, que eu saí fora na intenção de lhe ser útil. Qual não foi o meu espanto,
quando deparei com uma gaiola na varanda.
Estava
eu a olhar para ela, vem de lá o filho da casa, meio estremunhado, e pergunta:
–
Gostas?
–
Se gosto! E que bem ele canta!
– Isso é um artista.
–
Quem me dera um! Mas não tenho dinheiro...
–
Dinheiro para quê?
–
Comprar a gaiola.
–
Nem é preciso. Essa fi-la eu.
Era
de bambu, a gaiola.
–
Mas na minha terra não há bambus.
–
Isso qualquer arbusto serve. Vimes, por exemplo. Nunca viste um caneiro de
apanhar trutas?
–
Até já fiz alguns.
–
Ora aí tens.
–
E o melro?
–
Apanha-lo.
–
No ninho?
–
Não. Tirados do ninho são muito franzinos e difíceis de criar. O mais indicado
é apanhá-los uma semana após o abandono do ninho. Naquele período em que os
pais andam a ensinar-lhes as regras do bom viver.
–
Já sei. Conhece-se pela maneira como eles choram pelo cibato e os pais lhes
respondem na linguagem lá deles. O que não estou a ver é como é que eles se apanham?
– À mão.
–
Como?
–
Os caçadores fazem às perdizes. Nunca reparaste? A primeira vez que as levantam,
elas saem com tal velocidade, que eles mal têm tempo de lhes atirar. À segunda,
já saem com menos força. Aí pelo quarto ou quinto levante, mal conseguem voar.
Com
os melros meninos é a mesma coisa. No primeiro voo, alcançam quinhentos metros.
Ao segundo, metade. Ao quarto ou quinto, já não levantam voo. Bem entendido.
Desde que os não deixem descansar. Para isso é preciso dar à perna. E, para dar
à perna, nada melhor do que lameiros de feno segados.
Este
diálogo teve lugar após as vindimas.
Passei
aquele Inverno a fazer a gaiola e a Primavera atento aos ninhos.
Veio
o São João, segaram-se os fenos. E no primeiro domingo de Julho, com todos os
vizinhos para a missa, agarrei numa cesta da costura e saí à caça dos melros.
Com tão boa perna e fortuna que apanhei quatro.
Vinha
eu com eles, encontro o Mestre Saias.
–
Que levas aí? – pergunta ele.
–
Melros.
–
Mostra.
Mostrei.
–
E bem bonitos! – torna ele – Que vais fazer com eles?
–
Metê-los na gaiola.
–
Mete-os antes no pote, não sejas burro! Uma ninhada de quatro melros fazem
melhor arroz do que um coelho...
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS
II – Crónicas de Barroso (p. 96 e ss.)
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