segunda-feira, 5 de agosto de 2013

DIA DE LUTO E LÁGRIMAS

Atraído por recordações da infância, vim passar o mês de Junho à aldeia. Queria reviver outros tempos, outros Junhos.
Os Santos Populares, por exemplo.
Santo António, dia em que, em Peireses, se deitava a rês à vezeira.
Lembro-me da primeira vez em que fui com a vezeira e mais o Avô Barbado.
As mulheres foram-nos impontar até para lá das terras de cultivo. Depois era o baldio a perder de vista.
Aquilo não dava trabalho nenhum. Era só vigiar o lobo. Mas o lobo raramente aparecia.
Ao virar para Cotas, ali onde hoje está a Aldeia Nova, havia uma tapada solitária dum indivíduo de Gralhós.
A meio da tapada, um castanheiro. Junto do castanheiro, uma fonte.
Na água da fonte refrescámos o vinho. À sombra do castanheiro comemos a merenda.
De vez em quando o Avô dizia-me:
– Vai acolá e arrebate aquelas cabras.
Eu corria de pau no ar e virava as cabras.
Em recompensa, o Avô perguntava-me:
Queres que te conte uma história?
Conte, Paizinho, conte.
Ouvi naquele dia histórias que dariam para vários volumes.
Cresci um palmo naquele dia.
Véspera de S. João, minha prima Carolina disse-me:
– Esta noite vou queimar a alcachofra.
– Para quê?
– Saber se me és fiel.
– Claro que te sou fiel.
– A alcachofra é que o vai dizer.
Na manhã seguinte fui à procura de minha prima. Regressava ela da cortinha, envolta num lençol, descalça, cabelos em desalinho e a escorrer.
– Onde foste?
– Rebolar-me no linhal.
Para quê?
– Apanhar o orvalho de S. João. Dá beleza e elasticidade à pele. Queres ver?
– Mostra.
Minha Prima abriu o lençol. Mas eu não vi nada, encadeado por tanta beleza.
E a alcachofra? – perguntei.
– Refloriu!
E então?
Vamo-nos casar, ter muitos filhos, ser muito felizes...
A alcachofra enganou-nos, Carolina...
Após o São João, ceifavam-se os fenos, vinha o S. Pedro.
As coisas que eu podia recordar hoje.
Mas perdi o meu irmão Manuel.
Não consigo pensar noutra coisa.

Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS II – Crónicas de Barroso (p. 94 e s.)

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