terça-feira, 6 de agosto de 2013

As perguntas inquietantes

ADRIANO MOREIRAOPINIÃO por ADRIANO MOREIRA - Hoje no DN

É natural que a instabilidade governativa se traduza num aumento das inquietações das sociedades civis que vão sofrendo os efeitos colaterais das decisões em que não participam, e que inscrevem na soma dos planos de futuros de vida de cada um, as mais graves incertezas e ainda dos seres que estão à sua responsabilidade mais direta, nas comunidades de afeto a que pertencem.
Mas é tão inconstante a conjuntura que nem os programas que os governos anunciam deixaram de ser sublinhados pelas profundas desconfianças semeadas pela evolução recente, a europeia e doméstica, nem tais dúvidas estão necessariamente relacionadas com os responsáveis designados e assumidos, porque chega a impossível previsibilidade da evolução da conjuntura para esperar que sejam os planos de contingência, se organizados, que ganhem o espaço que deveria pertencer à segurança da vida habitual.
Não pode omitir-se que a crise continuará a colocar em dúvida a viabilidade do euro como símbolo e elo da unidade procurada para a Europa, ela própria interiormente dividida pelos que aceitaram a moeda, pelos que não estão seguros de se manterem na zona da moeda, e pelos que recusaram.
É evidente que a rutura teria efeitos devastadores para os Estados em situação de intervenção, mas o crescimento da quebra de solidariedade da parcial unidade monetária obtida não pode deixar de ter efeitos negativos sobre a desejada unidade europeia projetada, já demasiadamente enfraquecida interiormente em mais de um aspeto.
Não vai seguramente servir de luz ao fundo do túnel a teologia de mercado que tem prejudicado a observância dos princípios de solidariedade da União sobretudo quando, como tem acontecido no caso português, o orçamento parece preencher todo o conceito estratégico nacional, com os ministros a discutirem com funcionários do sistema o regular desempenho dos seus compromissos, em vez de fazerem ouvir as vozes dos atingidos pela fronteira da pobreza no Conselho Europeu, falando como iguais, e usando o poder da voz contra a voz dos que parecem afetados pela vocação do diretório, sem prestarem atenção à secundarização dos órgãos da governança instituída pelo debilitado Tratado de Lisboa.
Infelizmente o credo do mercado parece não reparar no efeito colateral que é o capitalismo de catástrofe, que implica a fadiga tributária, o desemprego, a quebra de produtividade, a pobreza violadora da dignidade humana, uma situação que alguns países, que não servem nem de exemplo nem sequer de lembrança, dominaram com total esquecimento do Estado de direito.
A doutrina social da Igreja, que vai acompanhando a mudança dos tempos, insiste em que o mercado necessita de limitações éticas, incluindo responsabilidades sociais, mas não parece que até agora o poder da voz consiga dominar a voz do poder, em grande parte sem domicílio e identidade conhecidos. A linha da pobreza está em processo de aprofundamento, a linha da ética não aparece reforçada. O futuro da Europa exige que as duas linhas se encontrem, e que o regresso à autenticidade, isto é, à coerência entre o anunciado e o feito, incluindo o reconhecimento dos erros cometidos, voltem a ser fatores de solidariedade entre as sociedades civis e as governanças nacionais e supranacionais legalmente definidas, evitando o progresso alarmante da quebra de confiança entre ambas, que os analistas acreditados vão sublinhando e acrescentando a inquietação com o visível desamor pelo projeto europeu.
O diálogo em falta não é o que se passa com funcionários do sistema em crise, é o que não pode ser adiado no centro de decisão política, em princípio o Conselho, e em que as vozes de todos e cada um dos membros são igualmente responsáveis pela manutenção dos princípios.

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