A casa vasculhada por uma objectiva cinematográfica. Custou-me os
olhos da cara consentir na devassa, mas a tenacidade paciente do realizador e
um estranho sentimento de fim próximo venceram os meus escrúpulos. Pois que
fique escancarada pela imagem a intimidade de um homem que se rodeou de
símbolos íntimos: a balança de meu Pai, a roca de minha Mãe, uma bandeira das
almas, um calvário de pedra, um juízo final de barro, um almofariz, um búzio…
Poderá ser que um leitor futuro assim se aproxime mais simpaticamente da minha
memória, perante a realidade que apenas lhe mostrei por escrito. A evidência
das coisas é diferente da evidência das palavras. Aquelas são, estas dizem. E o
homem de hoje só quer fazer fé no que vê. A sua dimensão judicativa é visual,
plástica. Inverteu o dom de imaginar.
MIGUEL TORGA – DIÁRIO XIII
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