sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Vale de Malhadas, Freixo de Numão, 2 de Novembro de 1980

Vale de Malhadas, Freixo de Numão, 2 de Novembro de 1980 – Chuvisca. Os companheiros foram-se encharcar nos carrascais e deixaram-me a arder em febre num catre de quinta, a oscilar entre a lucidez e o delírio. Trata-se de uma simples gripe, que nem por isso é um atentado menos absurdo à minha normalidade humana. Cada vez compreendo menos a doença. A que propósito sinto estes arrepios e estas dores musculares? Ontem não sofria, e hoje sofro. Ontem não pensava no corpo, e hoje é ele o objecto de todos os meus cuidados. Enrodilhado em mim mesmo, pareço um bicho indefeso no ninho. Nada há que verdadeiramente me interesse senão ouvir no travesseiro duro as pancadas do coração repercutidas nas têmporas. Lá fora, os montes e o rio, com o mau tempo, devem estar majestosos e patéticos. Mas nem sequer vontade tenho de os espreitar da janela. A paisagem agora sou eu. 

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