Mania das grandezas
A coisa é
séria, demasiado séria. Soube há poucos dias que Portugal tem auto-estradas em
excesso, nada menos que nove, num total de quase setecentos quilómetros. Se pensarmos
em quanto custa a construção de um só quilómetro dessas sumptuosas vias de comunicação
rodoviária em que o utente goza praticamente de todas as comodidades da vida
doméstica, é inevitável concluir que alguém se enganou nas contas ou com elas
nos enganou. Segundo a lei, ou o que para o caso lhe faz as vezes, a abertura
de uma auto-estrada requer uma certa previsibilidade de tráfego para não
cairmos na velha piada do «lá vem um», como sucede, por exemplo, à que leva
(não a piada, mas a estrada) de Lisboa a Elvas,
saudosa dos tempos em que, com um modesto estatuto de nacional, transportava
multidões à Pousada
para comerem o bacalhau
à Brás. Mutatis mutandis,
com bacalhau ou sem ele, esta é a situação nas oito auto-estradas restantes.
A tineta vem
de longe. Quando informaram o rei D. João V do
preço do carrilhão que iria ser instalado em Mafra, ele não se
conteve e, com a sua ridícula prosápia de nouveau-riche, disse: «Acho
barato. Comprem dois». E, não há muitos anos, quando Portugal foi encarregado
de organizar o campeonato europeu de futebol, que logo desgraçadamente não
ganhou, alguém terá dito que precisaríamos de construir uns quantos estádios porque
estávamos muito em baixo de instalações desportivas. Imagino o diálogo: «Quantos?»,
perguntou o manda-chuva da modalidade, «Aí uns três ou quatro devem bastar»,
respondeu o técnico, «Quais três? Quais quatro?» indignou-se o figurão, «Dez,
doze é que hão-de ser, seríamos uns bons idiotas se não aproveitássemos os fundos
europeus até lhe vermos o fundo ao saco». Também neste caso alguém se enganou
nas contas ou com elas nos enganou.
Onde as contas
parece que batem certo é no número de pobres em Portugal. São dois milhões,
segundo as últimas informações. Quer dizer, uma expressão mais da nossa
histórica mania das grandezas…
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