Havia lá na minha terra um padre muito dado à gula. Onde farejasse comezaina, fosse casamento, baptismo, funeral, matança de porcos, piquenique ou brequefesta, estava lá caído. Não satisfeito com isso, volta e meia engodava os paroquianos para uma festa.
– Meus irmãos – dizia ele do altar a baixo – na próxima quinta-feira é dia santo de guarda. Memória de S. Pascácio, doutor da igreja e advogado de teólogos e pregadores. Grande e milagreiro santo, digno de todo o nosso reconhecimento. Por isso proponho que lhe façamos uma festa de sermão e missa cantada. E para que a cerimónia tenha o brilho e a pompa que S. Pascácio merece e espera de todos os pacóvios, vou convidar alguns colegas. Eles, que são homens de Deus, vêm de graça. Mas nós, que somos homens de brios, não vamos permitir que eles venham a seco. Temos de lhes dar o almoço. Noblesse oblige[1]. Ora aí é que a porca torce o rabo, que o mesmo é dizer que a chambrelheira da residência está limpa como pernil de burro esburgado por um lobo. E como não seria bonito nem justo que, em dia tão festivo, em casa do padre se comesse de magro, peço-vos que me mandeis à residência com que adubar a sopa, o conduto e o postre. Lembrai-vos que é a honra da paróquia que está em causa. S. Pascácio vos retribuirá, se não cem por um, o que seria pedir muito, pelo menos dobrado contra singelo. Seja tudo em desconto dos nossos pecados e ad majorem Dei gloriam. Amém.
Por honra da paróquia, devoção a S. Pascácio, maior glória de Deus e super omnia, desconto dos seus, deles, pecados, os paroquianos encheram a residência de chouriças, salpicões, orelheiras, pernis, chispes, coelhos, galos, perdizes, trutas, doces, vinho.
Os reverendos párocos apanharam uma piela que andaram um mês com as reverendas bocas a saberem-lhes a papéis de música gregoriana.
Decorrido ele, o padre propôs uma festa a Santo Hilarião, advogado dos tristes.
E ainda uma outra a Santa Cocufata, protectora das virgens em risco.
Até que os paroquianos se cansaram daquilo e resolveram fazer greve:
– «Muito come o tolo, mais tolo é quem lho dá».
O padre marcou uma festa a Santa Conegundes, padroeira das viúvas inconsoláveis.
Na véspera, diz-lhe a governanta:
– Ó senhor abade? Olhe que os fregueses, desta vez, não mandaram nada...
– Tu nem me digas...
– Até ao momento, nem para a cova dum dente...
– Mil raios os partam! E agora? Os convites estão feitos...
– Não sei que lhe faça.
– Sei eu. Desenrasca-te! Pede emprestado, compra, rouba! Desenrasca-te!
No dia seguinte o padre sobe ao púlpito e diz:
– Paroquianos! Vós sois pior do que os meus cães. A eles, faço-lhes uma festa e eles dão ao rabo. A vós, faço-vos uma festa e vós não dais nada...
[1] noblesse oblige fr A nobreza obriga. Um cavalheiro educado não pode comportar-se como um desclassificado.
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