domingo, 20 de outubro de 2013

Fernanda Palma: Crianças Ilegais


Crianças Ilegais:
Em Levier, na França, Leonarda Dibranni, uma menina com quinze anos, de origem kosovar e etnia cigana, participava numa excursão com os seus colegas quando tocou um telemóvel. A professora de Geografia atendeu o presidente da câmara, que passou a um polícia. Este ordenou-lhe que parasse o autocarro para deter a aluna, por estar em situação irregular.
Hoje, 01h00
Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal

Poucos minutos depois, a polícia deteve Leonarda à frente dos colegas. A adolescente foi deportada, algumas horas mais tarde, para Pristina, no Kosovo, juntamente com a mãe e cinco irmãos com idades compreendidas entre um e dezassete anos. Leonarda frequentava uma escola francesa há cinco anos, estava bem integrada e obteve sempre classificações elevadas.
Estes acontecimentos, que provocaram fortes protestos e manifestações massivas contra o ministro do interior francês, Manuel Valls, revelam que a Europa rica deixou de ser o coração da cultura humanista. O regresso a um nacionalismo anacrónico e a defesa da "realpolitik" em matéria de imigração deixaram de ser orientação exclusiva da extrema-direita xenófoba.
Porém, a captura desta adolescente, a poucos dias das eleições locais, revoltou os jovens franceses, que conseguiram vê-la como um dos seus e saíram à rua. Esta atitude voluntariosa transmite-nos a sensação reconfortante de que séculos de cultura podem ser desprezados por governantes e burocratas, mas ainda povoam os sonhos de justiça dos mais novos.
Temos de reconhecer a superioridade da solução portuguesa, que, através do programa "SEF vai à escola", criado em 2009, tem procurado evitar sempre situações desumanas de expulsão de crianças, numa orientação contrária à que foi seguida pelas autoridades francesas. Aliás, é difícil compreender a política francesa, numa Europa cada vez mais envelhecida.
A ação da polícia portuguesa parte da premissa de que a escola é um lugar de inclusão. As crianças que estão integradas numa cultura e partilham os seus valores não podem ser excluídas. Essa conclusão é imposta pela Convenção da ONU de 1989, pela qual os Estados se obrigam a respeitar os direitos das crianças independentemente da sua origem nacional.
Numa ocasião em que o Conselho da Europa dá orientações às jovens democracias sobre os direitos da criança, a velha e culta Europa não consegue inscrever no seu Direito uma ideia simples, que os adolescentes de Paris souberam formular: não há crianças ilegais. Cabe aos Estados assegurar o seu livre desenvolvimento no quadro da escola e da família.

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