domingo, 6 de outubro de 2013

FALTA POR AQUI UMA GRANDE RAZÃO

     As vagas sucessivas de políticos "pragmáticos" que se têm sucedido no poder desde que se esfumou o sonho desmesurado do 25 de Abril transformaram-nos, aos poucos, naquilo que hoje somos, um povo como aquele, cimério, de que fala Plínio, incapaz de sonhar. Mais do que governantes, à frente do destino colectivo temos tido apenas governantas movendo-se de um lado para o outro entre a despensa e a sala de jantar e falando connosco numa língua de escravos onde palavra nenhuma se escreve com maiúscula. Se alguém, de repente, lhes pusesse à frente uma Ideia, ou uma Utopia, ou simplesmente abrisse as persianas sobre horizontes mais vastos do que os do dia seguinte, haveriam de empalidecer aterrorizados como o notário de Pablo Neruda diante de um lírio branco.
     À força de quererem convencer-nos do "fim das ideologias" (e até do "fim da História") têm-nos ministrado overdoses maciças de economia liberal, reduzindo a vida colectiva à sobrevida e à "vidinha" e expropriando-a de causas maiores do que a do défice ou a da "produtividade" (raio de palavra!). O resultado de tanta realidade está à vista...
     Porque os povos, como os indivíduos, precisam de mais alguma coisa do que de números, precisam de uma grande razão, um desígnio capaz de dar sentido à esperança. Como ensina o poeta, é o sonho (mesmo que temperado com algum lastro da realidade), que comanda a vida. Ou, nas palavras do presidente da República, há Vida para além do défice (mas a maiúscula é minha...)
Ora que desígnio temos hoje como povo? Por isso somos, se possível, ainda mais pobres.
Manuel António Pina, JN,06.10.2005

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