segunda-feira, 23 de julho de 2012

Dia 23 [Julho de 2009]

Cinco filmes
Cinco filmes me foi pedido que recordasse. Não teria de preocupar-me se seriam ou não os melhores, os mais famosos, os mais citados. Bastaria que me tivessem impressionado de maneira particular, como nos impressiona um olhar, um gesto, uma intonação de voz. Escolhê-los não foi difícil, pelo contrário, apresentaram-se-me com toda a naturalidade, como se não tivesse andado a pensar noutra coisa. Ei-los, então, mas a ordem por que os menciono não é nem deve ser tomada como uma classificação por mérito. Em primeiro lugar (algum teria de abrir a lista), O sal da terra de Herbert Biberman, que vi em Paris no final dos anos 70 e que me comoveu até às lágrimas: a história da greve dos mineiros chicanos e das suas corajosas mulheres abalou-me até ao mais profundo do espírito. Cito a seguir Blade runner de Ridley Scott, visto também em Paris num pequeno cinema do Quartier Latin pouco tempo depois da sua estreia mundial e que, nessa altura, não parecia prometer um grande futuro. Sobre Amarcord de Fellini, desse, ninguém teve nunca dúvidas, estava ali uma obra-prima absoluta, para mim talvez o melhor dos filmes do mestre italiano. E agora vem A regra do jogo de Jean Renoir, que me deslumbrou pela montagem impecável, pela direcção de actores, pelo ritmo, pela finura, pelo «tempo», enfim. E, para terminar, um filme que me acode à memória como se viesse da primeira noite da história dos contos à lareira, Pat & Patachon Moleiros, aqueles sublimes (não exagero) actores dinamarqueses que me fizeram rir (tinha então seis ou sete anos) como nenhum outro. Nem Chaplin, nem Buster Keaton, nem Harold Lloyd, nem Laurel e Hardy. Quem não viu Pat & Patachon não pode saber o que perdeu…
José Saramago, O CADERNO

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