domingo, 19 de junho de 2011

A FEIRA DO FUMEIRO

Se me falam em feira em Montalegre, dou-me logo por convidado.
Este fraquinho pelas feiras vem-me da infância. Quando jovem pastor de cabras, cheguei a deixar a rês sozinha no monte e correr à Vila, a dar uma vista de olhos à feira. Como tudo aquilo era variegado, colorido, alegre.
Para nós, garotos das aldeias, a feira de Montalegre era o circo, a alegria, a festa.
Noutros tempos, as feiras mais concorridas eram a dos Santos e a do Prémio. Agora é a do Fumeiro.
Fui lá no sábado, 19 do corrente.
Eu a estacionar o carro e a multidão a correr para oeste. Indaguei o que era.
– Uma chega.
Corri também, à procura dum lugar na plateia, ou, melhor dizendo, dum buraquinho na paliçada humana. Mas a turba era compacta.
Por fim, em bicos de pés, muito esticado, lá consegui espreitar para o recinto. Dois bois de raça barrosã, boa presença e peso, olhavam um para o outro com uns ares de muito enfadados.
– Já lutaram? – inquiri dum sujeito à minha esquerda.
– Se quer que lhe diga, não sei. Estou aqui há dez minutos e ainda não percebi nada.
Afinal estavam ainda na escolha do campo.
Os guardas de um dos bois passavam-lhe uma vaca pelas ventas, como a dizer-lhe:
– Se a queres, luta por ela.
Mas o boi parecia muito desinteressado. «Mau! – disse para comigo – Nem vão pegar»
Afinal pegaram e duro. Boizinhos duma cana. Uma chega das antigas.
Com uma diferença. Antigamente, os Barrosões assistiam a uma chega como quem assiste a um acto religioso. No silêncio e no respeito de quem está perante uma divindade.
Agora, não. Gritam, riem, dizem chocarrices de mau gosto. Uma profanação.
Uns bois que se portam com tanta dignidade e valentia como os que turraram num terreno vedado anexo ao pavilhão da Feira do Fumeiro, mereciam mais respeito.
Ia a afastar-me dali revoltado, vem de lá um indivíduo de braços abertos:
– Ó Zé? Ó grande amigo!
– Grande amigo, poderei ser. Zé é que eu não sou.
– Não me digas que não és o Zé da Lixa?
– Ora vai lixar outro.
E, voltando costas, mal-humorado, refugiei-me no pavilhão da feira.
Logo à entrada, caí nos braços dum velho e verdadeiro amigo. Fomos dar uma volta ao recinto. Mais amigos, mais abraços. Muitas caras conhecidas, umas indígenas, outras forasteiras. Música, fixa e ambulante, exclamações, risos, vozes.
Nos escaparates, uma farturinha. Carnes fumadas, e outros produtos regionais, para todos os olhos, gostos e bolsas.
O grupo de amigos foi engordando.
– Vamos ali a uma das tasquinhas provar a chouriça e beber um copo – propôs um deles.
Outrora, os Barrosões que iam à feira, levavam a chouriça para fazer lastro ao vinho. Lembra-me sempre aquele casal vizinho e amigo, na altura jovem, hoje velho como eu, que não falhava uma feira.
Um dia ele saiu primeiro, para deixar as vacas no pasto. Ia já no meio da rua, a uns cem metros, grita-lhe a cara-metade:
– Ou Joaquim? Levas a carteira?
– Levo. Traz a chouriça!
Para a do Fumeiro, basta levar a carteira. Chouriças, há-as lá e com fartura.
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 114 e ss.)

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