terça-feira, 1 de março de 2011

Coimbra, 1 de Março de 1979

     A política é para eles uma promoção e para mim uma aflição. E não há entendimento possível entre nós, apesar do meu esforço. Separa-nos um fosso da largura da verdade. Radicalmente insinceros, nenhum pudor os inibe. Mentem com tal convicção que se enganam a si próprios, e acabam por acreditar que são o que fingem ser. Levam-se a sério no papel de homens providenciais que dão ordem à desordem, virtude ao vício, luz à escuridão. Que outorgam a liberdade apenas a nomeá-la do alto das tribunas. E nem sequer consigo fazê-los compreender que representam sem originalidade uma farsa velha como os tempos, e que os aplausos que recebem já outros os receberam, igualmente inconsequentes e requentados. Narcisos numa sala de espelhos, confirmam-se em cada imagem multiplicada. A circunstância não os circunstancia. Pelo contrário. Vaticina-lhes a duração. O efémero é um anátema dos outros. Vêem na presença actual do nome nos jornais a garantia da perpetuação nos anais da História.

M. Torga

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