Os juízes têm de estar acima de todas as suspeitas e não podem tomar posições que as alimentem e desprestigiem a justiça
1. Escrevo antes de ser conhecido o resultado final das conversações entre as delegações do Governo e do PSD, tendentes a chegar a uma plataforma de entendimento para viabilizar o Orçamento do Estado (OE). A minha convicção, porém, é que tal entendimento será conseguido: ninguém compreenderia que o não fosse, a nomeação de Eduardo Catroga para chefiar a delegação do PSD indiciou essa vontade, a parte que, pela sua intransigência, levasse ao chumbo do OE pagá-lo-ia bem caro.
Todos estarão de acordo, decerto até os que elaboraram a proposta do Governo, que se trata, em diversos sentidos, de um mau OE (que poderá, porventura, ficar menos mau com os contributos de todos os grupos parlamentares), mas o que tem de ser tem muita força. O que se torna indispensável, como já aqui sublinhei, é criar condições para acabar com esta e outras inevitabilidades, acabar com políticas de austeridade que só agravam os problemas de fundo, em vez de os resolver, e só aumentam as injustiças, em vez de as corrigir ou minorar.
E escrevo também antes de Cavaco Silva fazer o anúncio formal da sua desde há muito, desde sempre, mais do que previsível recandidatura a Belém. Assim, ignoro as razões que invocará para a justificar, mas é fácil adivinhá-las. Daqui para a frente tudo será mais claro e com certeza Cavaco terá o cuidado de não misturar a qualidade de Presidente com a condição de candidato: ele não é Jardim e a minha convicção é que fará um esforço sério nesse sentido. Não se pode esquecer, porém, a frequente fluidez de fronteiras e a dificuldade que amiúde existe em o conseguir. Acho que os seus adversários devem ter este facto na devida consideração e não multiplicarem críticas sem consistência - com as quais, aliás, não lucrarão nada e só distrairá do essencial.
2. Há vida, no entanto, para lá do Orçamento e das presidenciais. Por exemplo, na área da Justiça, que sendo essencial é das que se encontra em pior situação. Ora, já seria muito mau que o presidente da Associação dos Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) dissesse o que disse, numa boca de circunstância, uma frase no calor de um debate, uma resposta oral infeliz. Mas ainda foi pior: escreveu-o, num artigo no DN. Afirmando que os juízes estavam a ser "atingidos" pelo Governo, na proposta do OE - e que isso era "a fatura de terem incomodado os boys do PS, mais recentemente no caso Face Oculta". Afirmando também que o PS e o Governo aproveitaram "o défice para persistir no objetivo de partir a espinha aos juízes", e que se o PSD o ajudar a isso "ficará claro que o arco da governação não quer juízes mas meros servos".
Se bem entendi, o mais grave da proposta será cortar parte do subsídio da renda de casa a que os magistrados têm "direito" (como ninguém), além de lhes diminuir o vencimento (como a todos os titulares de cargos públicos)! Ora, toda a gente sabe que os magistrados são dos profissionais mais bem pagos e com mais regalias no País, com um nível de remunerações relativamente superior até ao da generalidade dos seus pares europeus - e por isso sem razões especiais para se queixarem, pelo contrário. Assim, o que, quanto a eles, consta da proposta de OE do Governo de toda a evidência não configura nenhuma discriminação ou perseguição, sobretudo atendendo ao que atrás se salientou. Acresce nem se acreditar que um magistrado possa fazer tais acusações sem ter provas e sem que sequer, face ao exposto, se possa falar de qualquer presunção, ou sequer indício, naquele sentido
3. Enfim, desgraça máxima, ao agir assim, ao fazer acusações de tamanha gravidade com tamanha ligeireza ou inconsciência, para não dizer outra coisa, o presidente da ASJP alimenta, se não legitima, a ideia ou suspeição dos que, ao invés, consideram que alguns magistrados tomam, no exercício das suas funções, posições políticas e podem penalizar ou beneficiar alguém (não no caso Face Oculta) em função delas ou do cargo que ocupam. Ora, os juízes têm de estar acima de todas as suspeitas e não podem tomar posições que as alimentem e desprestigiem a justiça. A ninguém mais do que aos juízes se exige moderação, bom senso - juízo...
8:08 Quinta feira, 28 de Out de 2010
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